Éfeso: A igreja que abandonou o primeiro amor e o que isso significa para nós?

“Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro amor.” (Apocalipse 2:1-7)

Mesmo passado tanto tempo em que o livro do apocalipse fora escrito, a mensagem de Jesus as 7 igrejas da Ásia menor continua viva, elas ainda falam em nossos dias, as admoestações do Senhor a sua Igreja que estavam espalhadas por estas cidades, ainda permanecem atuais dada as devidas proporções. Problemas como a falta de amor, a religiosidade em detrimento a verdadeira espiritualidade, o sincretismo, a falta de vigilância, são situações recorrentes em nossas comunidades atuais. Nesse texto vamos refletir um pouco sobre a primeira correspondência de Jesus direcionada às 7 igrejas, os sete primeiros versículos de Apocalipse 2, que é basicamente a carta a igreja de Éfeso, vamos tentar entender o que significa “abandonar o primeiro amor” e outras questões importantes da perícope.

Contexto histórico

Éfeso era a cidade mais importante da Ásia, e nela estava à igreja mais importante da província e também a cidade continha o principal porto de toda Ásia Menor.

Éfeso era um centro cultural e religioso, nesta cidade estava localizado o templo da deusa Diana, ou a “Diana dos efésios”, cultuada pelos gregos como “Ártemis” e Diana pelos romanos. Inclusive o templo dedicado a esta divindade era tido como uma das maravilhas do mundo antigo. O templo de Diana era 3 vezes maior que o panteão de Atenas.

Segundo Ladd, “Éfeso era o centro de todas as práticas supersticiosas e era conhecida no mundo todo por suas artes mágicas”.  É digno de nota que a estátua de Diana foi esculpida de um meteorito que caiu do céu. Eles achavam que estas pedras tinham poderes mágicos, algumas pessoas colecionavam estes artefatos dizendo que eles tinham poderes sobrenaturais.

Possivelmente a Igreja foi fundada por Priscila e Áqüila, dois cristãos de destaque, juntamente com Paulo eles tinham vindo de Corínto conforme (At 18.18) estes permanecerem ali depois de Paulo viajar a Antioquia.

Depois de algum tempo Paulo voltou a cidade de Éfeso e então está se tornou um centro evangelístico para as demais províncias da Ásia. Inclusive esta era uma estratégia missionaria de Paulo, pregar nas grandes cidades pois os camponeses e moradores de vilarejos distantes vinham até a cidades grandes para negociar e comprar, e não o contrário, por isso pregar nestas cidades, era a forma mais eficaz de disseminar o Evangelho, pois tudo ali desembocava, tudo ali era tratado, logo estes moradores de regiões distantes pequenos vilarejos, voltavam para suas cidades, levando a mensagem do Evangelho em suas bagagens.

Uma análise da carta

Ao anjo da igreja em Éfeso escreva: Estas são as palavras daquele que tem as sete estrelas em sua mão direita e anda entre os sete candelabros de ouro.

É interessante notar que a carta ela está sendo direcionada ao responsável pela Igreja (anjo), pode ser um ancião, pastor, bispo ou ainda um presbítero. João diz que estas são as palavras daquele que tem as 7 estrelas nas mãos, conforme Apocalipse 1.20 na visão de João as sete estrelas são sete anjos das sete igrejas. Ou seja, ele segura firmemente em sua mão direita os responsáveis pelas igrejas, ele tem o controle. Ele anda entre os sete candelabros de ouro, conforme Ap 1.20 os candelabros são as igrejas, ou seja, Jesus anda no meio dela, supervisiona, sabe o que está acontecendo, tudo está nu e patente aos seus olhos.

Conheço as suas obras, o seu trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não pode tolerar homens maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos mas não são, e descobriu que eles eram impostores.
Você tem perseverado e suportado sofrimentos por causa do meu nome, e não tem desfalecido.

Conheço as tuas obras, ou eu sei o que vocês tem feito, esta frase que é corriqueira em todas as outras cartas denota ou deixa claro a onisciência de Deus, ou seja, independente daquilo que eles estavam fazendo, ou desempenhando, seja bom ou ruim, Jesus sabia exatamente o que eles estavam fazendo, e por conta que ele sabia, ele pode admoestar com excelência o seu rebanho, assim como naquela época o Senhor sabe exatamente o que fazemos, não adianta fugir ou se esconder, ou mentir, ou ainda tentar omitir, ele nos conhece.

Nos versículos 2 e 3 é importante notar as ênfases nas palavras: trabalho árduo, perseverança, perseverado, suportado sofrimentos, não tem desfalecido. Existe um princípio hermenêutico que diz que na antiguidade quando um autor queria deixar clara uma ideia ou um conceito ele se utilizava do método das repetições, portanto o que fica claro referente aos cristãos de Éfeso é o fato que eles estavam suportando a perseguição ao Evangelho, sem retroceder, talvez muitos morrendo por amor a causa, por zelo ao cristianismo.

Outro fator importante é o zelo doutrinário, ortodoxo, ou seja eles permaneciam fiéis as tradição apostólica, eles tinham ojeriza a heresia e de tudo aquilo que se distanciava dos ensinamentos primevos de Jesus e dos apóstolos.

Então até o verso três são dois fatores positivos que merecem destaque dos crentes de Éfeso, que são, perseverança e doutrina, zelo e Teologia, a igreja de Jesus precisa em sua peregrinação estes dois fatores, perseverança para permanecer até o fim e doutrina, como uma bússola para lhe guiar.

Contra você, porém, tenho isto: você abandonou o seu primeiro amor.
Lembre-se de onde caiu! Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princípio. Se não se arrepender, virei a você e tirarei o seu candelabro do seu lugar.

O primeiro amor aqui é sempre pregado como aquele início da fé, geralmente os pregadores remetem este tal “primeiro amor” ao período onde você era um tanto quanto neófito (novo na fé) onde você jejuava mais, orava mais, evangelizava mais, fazia mais. Ou seja, tinha mais obras, porém aqui é interessante notar que os cristãos de Éfeso, tinham muitas obras, eles estavam suportando perseguição, eles estavam suportando as mais diversas aflições por conta de sua crença, então subentende-se que, eles jejuavam, oravam, pregavam, iriam até o martírio se preciso fosse por conta daquilo que acreditavam. Então quando Jesus está dizendo você abandonou seu primeiro amor, Jesus está falando do motivo-ação, ou seja qual é a motivação de vocês para suportarem tudo isso? Antes ou anteriormente o motivo-ação era o amor, mas agora eles deixaram este primeiro amor.

Voltando um pouquinho Jesus é aquele que conhecia as obras deles, eles eram zelosos, perseverantes, mas Jesus sabia exatamente aquilo que os motivava a serem tudo isso, não era mais o amor e sim apenas a religiosidade (lembra que eles estavam emergidos em um contexto extremamente pagão e supersticioso, pois bem).

Paulo diz em sua carta aos Coríntios, que podemos fazer várias coisas, até mesmo coisas extraordinárias (vide 1Coríntos 13), até mesmo entregar o corpo a ser queimado como um mártir, mas se não tiver amor isso de nada vale.

O cristianismo sem amor é uma mera religião qualquer, com seu ritos, dogmas, templos, e apelos. O que nos faz diferentes diante ao panteão religioso aí fora, é o amor, ele deve ser nossa motivação, para sermos zelosos, perseverantes e doutrinariamente corretos.

É triste constatar que vivemos em dias onde vários cristãos vivem exatamente esta realidade, são zelosos pela doutrina, brigam se for necessário, são perseverantes pela sua crença, porém o que os motiva é a religiosidade, estes são os fariseus pós-modernos, que vão ao culto, que jejuam, que oram que dão os dízimos e ofertas, mas o que os motiva não é o amor a Jesus e ao Reino de Deus mas sim a religiosidade vazia. Um dos grandes perigos de uma mentalidade religiosa é a Doutrina, lei, dogma acima da Vida, acima das pessoas, acima do próximo, acima do ser humano, é exatamente isso que Jesus vai combater em sua época pois os fariseus colocavam tudo abaixo da lei, colocavam as pessoas abaixo da lei, e Jesus caminhou na direção oposta ele colocou a vida acima de tudo, as pessoas em detrimento a mecanismos frios de performance religiosa, Jesus não aboliu Lei ele apenas a cumpriu e consequentemente a interpretou da maneira correta, dando ao amor a ênfase devida.

O caminho da religiosidade

Religiosidade é o ato de seguir ou praticar uma determinada religião, na perspectiva das Ciências da Religião o cristianismo é uma religião como tantas outras, pois nele existe, culto, oferta, adoração a uma divindade, mas na perspectiva bíblico-teológica o cristianismo é muito mais que uma mera religião, cristianismo é uma forma de viver embasada no amor.

Importante é distinguir religiosidade de espiritualidade ou devoção, na religiosidade eu faço para “ser”, eu faço para “ter”, eu faço para “obter”, através de cultos, rituais, na espiritualidade “eu faço por que sou”, “eu faço por que tenho”.

A religiosidade é algo que está atacando muitas igrejas, muitos irmãos, muitas pessoas sem se perceber perderam o amor genuíno, a espiritualidade sincera, e estão vivendo apenas uma vida religiosa, de “cumprimento de ritos”, de um ativismo exacerbado, onde ir à igreja desfrutar de comunhão é uma mera obrigação para preencher a agenda religiosa.

Muitos em nossos dias se acostumaram em ser cristão, hoje em dia parece que virou moda, é até status dizermos que somos “evangélicos”, mas estou convencido que muitas pessoas em nosso meio não estão de fato convertidos ao Evangelho, mas sim adaptados a um sistema religioso que eles próprios chamam de cristianismo.

O caminho de Jesus

Jesus propõe uma saída, uma alternativa, para o recomeço, que seria o arrependimento, voltar onde o erro começou, o arrependimento na bíblia está intrinsicamente ligado a conversão, é a metanóia ou seja, a transformação ou a expansão da mente, é quando compreendo que o meu caminho está errado e faço uma conversão ao caminho pré-estabelecido por Deus para minha vida. Arrependimento é entender que eu estou errado e Deus está certo e agir diante desta realidade. O que marca o arrependimento genuíno não é o choro, e sim a mudança de postura e de conduta, por isso Deus não se deixa levar por performance humana, por teatro (hipocrisia, marca dos fariseus diga-se de passagem), por lagrimas de crocodilo, mas em contra partida a bíblia diz que Deus não rejeita um coração contrito e quebrantado (conforme Salmos 51), Deus tem sempre um novo começo mas é necessário uma postura autêntica e verdadeira de seus filhos.

Mas há uma coisa a seu favor: você odeia as práticas dos nicolaítas, como eu também as odeio.
Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao vencedor darei o direito de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus.

Mais uma vez a igreja se mostrando zelosa, surge no meio deles uma doutrina estranha, ou a prática dos nicolaítas, ninguém sabe com exatidão o que seria isso, mas alguns autores supõe que Nicolau foi um homem da igreja primitiva (possivelmente um dos 7 diáconos) que tinha uma mulher muito bonita, e ela era extremamente cobiçada pelos homens, Nicolau teve a “brilhante” ideia de compartilhar sua mulher com seus amigos, portanto as práticas dos nicolaítas era a perversão sexual, esta prática era defendida pelo gnosticismo, que enfatizava que o corpo era mal mas o espírito era bom, portanto não importava o que eu fizesse com meu corpo o que importava mesmo era meu coração ou a meu espírito, esta corrente foi duramente combatida pelas primeiras gerações de cristãos.

Outra vez Jesus destaca que Éfeso era uma igreja extremamente abalizada na doutrina, uma igreja teologicamente sadia, porém, destituída agora de amor.

Aquele que tem ouvido para ouvir, ouça

Este também é um dos termos recorrente no final de cada carta, o que significa ouvidos para ouvir? Na cultura do oriente ouvir denota obedecer, portanto parafraseando o texto bíblico ele está dizendo mais ou menos assim, se você é sensato, preste muita atenção naquilo que está sendo dito e obedeça aquilo que o Espírito te diz. Ouvir é praticar, quem não obedece é por que não ouviu por isso um dos textos áureos de Israel é o Shemá (ouve) “Ouve ó Israel o Senhor Teu Deus é o único Deus”. Deuteronômio 6, ou seja entenda Israel que o Senhor é o Único não existe outro além dele, ponha em prática isso e viverás.

Promessa

Ao vencedor darei o direito de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus.

A queda fez com que o homem fosse banido do paraíso é por conseguinte banido também de ter acesso a árvore da vida, logo a recompensa para todo aquele que ouvir-obedecer a Deus, é a eternidade junto com Ele, é a vida Eterna, é estar em um local totalmente seguro, onde não haverá mais, dor, tristeza, nem pranto, nem lágrimas, nem doença alguma, pois o Senhor será nossa fonte de vida Eterna.

Conclusão

Querido leitor, chegamos ao fim do estudo dessa carta que Jesus direciona a cidade de Éfeso, espero que aquilo que aprendemos aqui possa reverberar de maneira positiva em sua vida, pois não basta sermos doutrinariamente corretos ou zelosos pela nossa crença se o que nos motiva é a religiosidade e não o amor, se o que nos motiva é a aparência, ou a exteriorização, que possamos ser amantes da doutrina bíblica (devemos), mas também amantes genuínos de Jesus e do Reino de Deus.

Pois a doutrina e o zelo sem a caridade não passa de práticas religiosas, o que nos distingue é sem dúvida o amor exercitado.

Fonte: https://www.gospelprime.com.br/efeso-a-igreja-que-abandonou-o-primeiro-amor-e-o-que-isso-significa-para-nos/.